A INDISCIPLINA
O mais recente episódio do reality show em que se estão a transformar as escolas portuguesas só pode ter uma finalidade. Para além de ser uma hipotética candidata a melhor curta do ano (o argumento é um luxo, e passo a citar: “Eu andei 12 anos na escola, 4 na faculdade, 2 no estágio e 2 numa pós-graduação e 1 numa especialização (…) entendestes?”), é um lúcido exemplo do jornalismo de causas, aquele jornalismo que denúncia ao mundo causas pelas quais (ainda) vale a pena lutar. Neste caso, a ferida aberta na sociedade, o cancro a necessitar de ser expurgado com urgência é… a indisciplina dos professores.
Desde cedo me apercebi que na escola faltava autoridade aos alunos. No ensino básico, por exemplo, nunca percebi por que razão não pude dar um puxão de orelhas e umas reguadas à minha professora, já que ela detinha, aparentemente, o direito de o fazer (felizmente estudei numa escola onde o eduquês – esse código indecifrável de conversão do ensino em actividade exclusivamente lúdica – demorou a chegar). Nunca percebi por que razão a disciplina de História não se baseava unicamente na pintura de caravelas, numa clara interdisciplinaridade (uma coisa que agora parece ser obrigatório haver). Ainda hoje sofro ao pensar nas dinastias que fui obrigado a saber, nos cognomes que fui obrigado a decorar, nas datas que convinha saber e nas reguadas que apanhava por cada erro ortográfico. Enfim, esta permissividade que foi dada aos meus professores do ensino básico teve resultados óbvios: sou hoje uma pessoa extremamente mal formada e complexada por não escrever (como tantos mamíferos da mesma colheita) “houveram” e “fize-mos”.
Mas o descalabro foi mesmo no 7º ano. Éramos um conjunto de jovens tão maduros, bem formados, bem comportados, informados e cultos que, por mais voltas que dê à cabeça, não consigo perceber o porquê de nos terem dividido a turma. Lembro-me na altura de uma quantidade infindável de reuniões, em que até nos era dada a palavra para denunciarmos os maus tratos que sofríamos nas mãos das criaturas inenarráveis que nos davam aulas. Eram umas bestas. Falavam ao telemóvel dentro da sala, cuspiam no chão, copiavam nos testes descaradamente (acho que eram eles, mas não tenho a certeza… já lá vão tantos anos…). Enfim, muitas reuniões depois lá se decidiram por nos tratar como macacos e pôr-nos no devido lugar. Isto é mais uma evidente prova de indisciplina dos professores. Foi pena que não houvesse nenhum pai suficientemente lúcido para os colocar também no devido lugar (se bem que, se me lembro, ainda houve (… houveram?) uns que tentaram). Onde estavas tú, Eduardo Sá, quando tanto precisámos de ti? Onde estavam as educadoras para explicar que se tratava apenas de um processo normal de desenvolvimento cognitivo de competências sociais? Que a experimentação é boa para os jovens? Que crescer tem destas coisas?
Como todos sabemos, o problema da indisciplina dos professores só pode ser resolvido com umas boas bofetadas, dadas de preferência pelos alunos (mas também podem ser os pais, claro). Num país de estatutos e de divinização do grau (costumava ser assim, pelo menos, e que o conte a professora do vídeo), o problema da indisciplina não pode ser resolvido. Até ao final do secundário, o problema serão sempre os professores, porque os alunos, coitadinhos, são criancinhas: puras, virgens, imaculadas – a professora era uma besta mas saberia provavelmente o que estava a dizer. A partir do secundário a culpa de todos os males de Universo é sempre dos alunos, porque o senhor professor doutor (vénia) sabe tudo, soube sempre tudo (suspeita-se que tenha nascido ensinado) e nunca ninguém (à excepção dele próprio) quis saber se era capaz ou não de dar aulas, se tinha ou não qualidades humanas e competências técnicas para o fazer, se os cargos que vai acumulando lhe permitem – se não for muito incómodo, claro – comparecer nas aulas. Nada que umas reguadas não resolvessem, certamente…
Ótima matéria parabéns!
ResponderExcluirJosi